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Embrapa não pode mais viver dos frutos do passado, diz Xico Graziano

‘Privatizar seria um erro fenomenal’

‘Ideologias não são boas conselheiras’


07.fev.2018 (quarta-feira) - 6h00
atualizado: 07.fev.2018 (quarta-feira) - 7h23

Demissão polêmica de um pesquisador gerou dúvidas: o que está acontecendo na Embrapa, a empresa brasileira de pesquisa agropecuária? Birra pessoal, ou reflexo de uma crise institucional?

Ambos. Maurício Lopes, presidente da Embrapa –nomeado ainda no governo Dilma– nunca engoliu as críticas de Zander Navarro sobre a concepção estratégica da estatal. Maurício se irritou especialmente com um artigo publicado no Estadão, em que seu subordinado, lotado na Secretaria de Inteligência e Macroestratégia, expôs abertamente seu ponto de vista. Demitiu-o sumariamente.

Houve grande repercussão. Ocorre que Zander Navarro tem história e prestígio acadêmico que transcende à Embrapa. Engenheiro agrônomo e doutor em sociologia, falava com conhecimento de causa. Suas palavras críticas refletiam um debate fundamental que há anos corre dentro e fora da empresa agropecuária: aos 45 anos de existência, com passado brilhante, qual será o futuro da Embrapa?

Fundada em 1973, a Embrapa teve papel decisivo no processo de modernização tecnológica da nossa agropecuária. Sem os conhecimentos agronômicos nela gerados não teríamos tido sucesso, por exemplo, na ocupação da fronteira do cerrado, no Centro-Oeste. Graças à Embrapa, auxiliada pelas instituições estaduais de pesquisa, o Brasil desenvolveu um modelo próprio de agricultura, tropicalizado, alta produtividade, conservacionista, múltiplas safras e integração produtiva.

Com cerca de 10 mil funcionários, distribuídos em 47 unidades de pesquisa, o orçamento anual da Embrapa atinge US$ 1 bilhão. Não é pouco. Acontece que, aproximadamente, 92% dos recursos têm sido gastos com pessoal. Um problemão. Mas a grande questão não é financeira. A estatal enfrenta o desafio de se reinventar para corresponder aos novos desafios do agronegócio. Na década de 1990, por exemplo, suas variedades de soja ocupavam 80% do mercado. Hoje mal chegam a 3%. Novas tarefas lhe cabem.

Há quem imagine privatizar a Embrapa. Seria um erro fenomenal. Um dos maiores dilemas do novo mundo rural, salientado por Zander Navarro, é a recente concentração da riqueza no campo. Manter o caráter público da Embrapa assegura que o Estado possa interferir nesse processo evolutivo, operando em favor dos segmentos mais desprotegidos do agro.

Não se trata, por outro lado, de politizar a Embrapa, como o fizeram os governos petistas, nomeando fiéis militantes para suas diretorias. Nem tampouco submeter a pesquisa científica à visão, de certo modo obscurantista, que enaltece a agricultura familiar e deprecia o agronegócio. Ideologias nunca foram boas conselheiras da ciência.

Reduzir a burocracia interna certamente fará bem à Embrapa. Os pesquisadores reclamam que 50% de seu tempo de trabalho é dedicado aos relatórios e procedimentos administrativos. Na era da internet isso é um absurdo.

Zander Navarro não vive isolado. Há tempos os técnicos da Embrapa debatem seus profundos dilemas. Em 2016, um documento com apoio de 800 pesquisadores chegou à mesa da diretoria. Nada aconteceu. Egocêntrico e centralizador, seu presidente detesta dialogar.

A Embrapa não pode viver apenas embalada pelos maravilhosos frutos do passado. Seus pesquisadores precisam voltar a sonhar, recuperar aquela animação contagiante que marcou seu princípio, liderados por notáveis como Irineu Cabral, Eliseu Alves, Almiro Blumenschein. A Embrapa precisa construir sua nova utopia.

Como conseguir tal proeza, nessa crise desanimadora que acomete o país? Difícil. Talvez uma consultoria externa ajudasse. Envolver stakeholders no processo. Chamar jovens lideranças para participar. Despolitizar. Pouco adianta atirar pedras na Embrapa. Precisamos, todos, ajudar na solução.

Zander Navarro, que luta na Justiça pela sua reintegração, disse que havia se tornado “um chato dentro da Embrapa”. Sua chatice – insistir no debate de uma estratégia colada à realidade agrária – é sinônimo de inteligência. É dessa chatice, vinda de pessoas honestas, que o Brasil anda carecendo. Gente que fala a verdade.

Por sua ousadia, Zander Navarro deveria ser premiado, jamais demitido. Com a palavra, ministro Blairo Maggi.

https://www.poder360.com.br/opiniao/brasil/embrapa-nao-pode-mais-viver-dos-frutos-do-passado-diz-xico-graziano/